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Notícia

Um dessalinizador como um quebra-cabeça

01/02/2024

Um grupo de três pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveu um dessalinizador solar modular projetado especificamente para atender às condições operacionais do semiárido brasileiro, beneficiando, sobretudo, a população que vive no Nordeste e no norte de Minas Gerais. O equipamento teve seu depósito de pedido de patente realizado na primeira semana do mês de janeiro, sob a denominação Dessalinizador solar modular.

O método de dessalinização assemelha-se aos processos naturais, como a vaporização da água do oceano e a formação de nuvens, mas em uma escala reduzida. Quando a luz solar atinge a bacia contendo água salina, esta aquece e evapora livre dos sais. O vapor de água condensa na tampa transparente do dessalinizador, retornando ao estado líquido. Contudo, a água ainda não está pronta para consumo, pois a eficiência na remoção de sais é tão alta que requer correção da salinidade. Isso é alcançado misturando quantidades definidas da água originalmente salina, como a produzida em um processo chamado de diluição.

Wildson Ursulino Leite explica que o equipamento opera aproveitando exclusivamente o calor solar para retirar sais da água por meio de destilação. Ele ressalta que todo o desenvolvimento do dessalinizador solar modular foi pautado pelo baixo custo de construção, manutenção e operação, além da máxima eficiência, segurança química da água produzida e respeito ao meio ambiente. Para alcançar esses objetivos, a pesquisa buscou aplicar desenhos que minimizassem as perdas por reflexão da luz solar na tampa do dispositivo, bem como a utilizar materiais quimicamente seguros e com propriedades compatíveis com o processo. O método semibatelada, em que o sistema é carregado apenas com um volume inicial de água salinizada, possibilita o funcionamento sem a necessidade de sistemas de controle, bombas ou outros recursos elétricos ou eletrônicos. Isso amplia a capacidade de o dessalinizador ser utilizado em localidades descentralizadas.

“Ele pode ser instalado em unidades de diferentes tamanhos, atendendo desde residências isoladas até comunidades rurais inteiras. A abordagem modular permite a ampliação ou a redução desses dispositivos a partir da mesma plataforma construtiva, por meio da combinação de peças pré-moldadas de concreto leve, semelhante a um quebra-cabeça”, pontua Leite. O cientista defende que, embora isoladamente essa tecnologia não resolva integralmente o desafio da segurança hídrica no semiárido brasileiro, ela se configura como uma alternativa acessível, eficiente e ecologicamente sustentável para atenuar os impactos da seca e contribuir na convivência com esse fenômeno.

Um dessalinizador solar é formado basicamente de quatro componentes: a cobertura ou tampa transparente, responsável por permitir a passagem da radiação solar e a condensação dos vapores de água, necessitando ser inclinada em relação à horizontal para escoamento do destilado; as calhas, usadas para coleta e drenagem de destilado para fora do sistema; a bacia, reservatório de água salinizada propriamente e fica em associação com o material coletor de radiação, o fotocoletor, quando o equipamento é do tipo direto; e, por fim, o corpo, estrutura externa que acomoda os demais componentes e fornece isolação térmica.

Além de Wildson Leite, são inventores envolvidos no patenteamento os professores André Luis Lopes Moriyama e Magna Angélica dos Santos Bezerra Sousa, ambos do Departamento de Engenharia Química (DEQ/UFRN). O trio identifica que o contexto no qual a invenção está imersa é ecológica, econômica e socialmente relevante, já que o semiárido brasileiro abrange cerca de 12% do território nacional e, de acordo com dados do Ministério da Integração Nacional em 2017, com uma população próxima aos 30 milhões de habitantes. Para além disso, segundo a Agência Nacional de Águas, já em 2018, mais de 43 milhões de pessoas foram afetadas por secas e estiagens no Brasil, sendo quase 90% dessas no Nordeste. A Agência observa, ainda, uma preocupante tendência de agravamento desse problema, com a disseminação desses eventos por outras regiões do país.

Grau de maturidade do protótipo

 

Dois protótipos relativos ao dispositivo objeto do pedido de patente foram construídos e submetidos a testes no solário do Laboratório de Monitoramento e Tratamento e Reúso de Resíduos da Indústria do Petróleo, pertencente ao Departamento de Engenharia Química da UFRN. O Nível de Maturidade Tecnológica (TRL) atribuiu a esses protótipos a nota 7 em uma escala de 1 a 9, indicando que foram testados em ambiente real. Para o grupo de pesquisadores, assegurar a preservação da propriedade intelectual e resguardar os direitos dos criadores e das instituições associadas ao invento são dois dos fatores principais para patentear uma descoberta.

Atualmente na França, em pós-doutorado, o docente André Moriyama salienta que o desenvolvimento de materiais fotocoletores mais eficientes será a principal direção das pesquisas do grupo, com o objetivo de aumentar a produção de destilado nos dessalinizadores solares modulares. Esses materiais desempenham um papel central ao coletar e converter a luz solar em calor para vaporizar a água, destacando-se como componentes vitais para o sucesso do dessalinizador solar.

A técnica

O desenho modular proposto visa facilitar a estocagem, o transporte, a montagem e o escalonamento dos dessalinizadores solares, conferindo vantagens operacionais importantes em comparação a sistemas monoblocos tradicionais. A arquitetura inovadora de baixas áreas de sombreamento privilegia o aproveitamento da radiação incidente nas latitudes operacionais de projeto, mesmo em horários de maiores inclinações solares.

 

Os módulos pré-moldados de concreto leve de poliestireno expandido conferem leveza e resistência química contra corrosão e contaminação do destilado, além de resistência mecânica satisfatória contra o intemperismo e isolamento térmico eficiente para o processo. A técnica construtiva modular aplicada à bacia reduz o aparecimento de áreas secas prematuras, oriundas da topografia desnivelada do terreno. A modularização da bacia também implica menores gastos energéticos para o aquecimento da água, especialmente em sistemas de grande escala, além de reduzir o percurso convectivo da salmoura nela contida, direcionando a energia solar térmica para o processo de geração de vapor, favorecendo a produção de destilado.

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